Quando eu estava me tornando
adolescente, todo o mundo diante de mim parecia uma grande e épica odisseia a
desbravar. Especialmente no quesito de lidar com a minha feminilidade, minha
marca no mundo. Eu me sentia terrivelmente perdida e estressada diante de tudo
que parecia existir para as mulheres darem conta de sua beleza. A pergunta que
vivia rondando minha cabeça era: como uma mulher consegue ser mulher?
Parecia haver tantos
detalhes misteriosos vindos diretamente do infinito especialmente para elas que
eu ficava imaginando quando tudo isso viria até mim. Eu queria ser uma mulher,
mas, não qualquer mulher, eu queria ser uma mulher linda e de bem com a vida
como via minha mãe, vizinhas e algumas mulheres ricas das novelas. (Não que
minha mãe fosse rica ou chegasse perto disso, mas sua alegria sempre lhe trouxe
uma riqueza especial).
Uma vez, vi no lixo da minha
vizinha uma embalagem de um hidratante “Davene” e pensei: “que embalagem linda!
Como ela pode jogar isso fora?! Eu brincaria eternamente com isso”! Pensei que aquele
deveria ser o segredo de beleza dela, porque ela era a mulher de verdade mais
linda que eu já tinha visto.
Eu admirava tudo nela, seus
cabelos loiros que na época eu não fazia ideia que fossem tingidos, seus pelos
dourados dos braços, das coxas e aos meus olhos ela era uma semideusa do amor
ou algo assim. Linda e independente: tudo que eu queria ser também. Eu queria ser
daquele jeito da minha vizinha. Percebia que todos os homens a desejavam, e eu
achando que seu poder vinha do hidratante de aveia Davene e dos banhos de mel
que ela dava nos cabelos.
Lembro que certo dia ela me
chamou para fazermos uma máscara de mel para passar no rosto e nos cabelos,
alegando ser fonte inesgotável de beleza e eu me senti tão honrada, como se
tivesse sido convocada para o Miss Brasil. Era a “minha-vizinha-deusa-do-amor”
me chamando para um ritual de beleza, algo destinado apenas às mulheres adultas
e lá estava eu, quando ela poderia ter chamado qualquer uma de suas amigas.
Uns vinte e dois anos depois
e eu ainda me lembro daquele momento, da sensação de poder que tal convite me
conferiu. Claro que o programa não foi perfeito, porque fizemos ao ar livre e
algumas abelhas vieram nos incomodar, ou prestigiar, vai lá saber! Mas, aquela
foi de longe a minha primeira experiência como mulher de verdade, inclusive com
os percalços da situação, me avisando que ser mulher não é ser perfeita ou
viver situações nesse nível.
Por isso, acho muito válida
a influência que mulheres mais velhas exercem, sejam elas mães, tias, vizinhas,
madrinhas, quase que inconscientemente sobre a vida de meninas que estão
entrando na tão misteriosa e obscura adolescência. Se iniciar como mulher não é
fácil, se descobrir como mulher menos ainda. Acho que todas já passaram por
algo parecido e sabem exatamente do que estou falando.
Lembro também que lia
desesperadamente revistas de beleza, dicas de maquiagens, cuidados com os
cabelos, pele, unhas, depilação, exercícios... Era tanta informação nova que eu
não fazia ideia de como processar tudo aquilo e metade delas eu realmente nem
precisava naquela fase da minha vida. Vivia
lendo rótulos e fórmulas e para quê? Nunca fui boa em química! Isso eu também
lembro perfeitamente.
O que afinal, uma menina de
nove anos dos anos 90 podia entender de ácido glicólico, retinóico ou salicílico?
Confesso que às vezes minha cabeça chegava até a doer, mas acho que era mais a
pontada de decepção, como se eu não conseguisse fazer nada direito pra ser uma
mulher de verdade.
Óbvio que hoje muita coisa mudou
o acesso à internet permite qualquer pessoa saber o que quiser sobre qualquer
coisa. Nossas crianças de hoje em dia, que em nada se parecem com as dos meus
saudosos anos noventa, são naturalmente sofisticadas e entendidas de tudo um
pouco.
Contudo, concluindo, posso
dizer que minha adolescência nos anos noventa com todas suas descobertas e
decepções, foi sem dúvida a melhor época da minha vida e eu não trocaria por
nenhum Google.
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