terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Os meus anos 90


Quando eu estava me tornando adolescente, todo o mundo diante de mim parecia uma grande e épica odisseia a desbravar. Especialmente no quesito de lidar com a minha feminilidade, minha marca no mundo. Eu me sentia terrivelmente perdida e estressada diante de tudo que parecia existir para as mulheres darem conta de sua beleza. A pergunta que vivia rondando minha cabeça era: como uma mulher consegue ser mulher?
Parecia haver tantos detalhes misteriosos vindos diretamente do infinito especialmente para elas que eu ficava imaginando quando tudo isso viria até mim. Eu queria ser uma mulher, mas, não qualquer mulher, eu queria ser uma mulher linda e de bem com a vida como via minha mãe, vizinhas e algumas mulheres ricas das novelas. (Não que minha mãe fosse rica ou chegasse perto disso, mas sua alegria sempre lhe trouxe uma riqueza especial).
Uma vez, vi no lixo da minha vizinha uma embalagem de um hidratante “Davene” e pensei: “que embalagem linda! Como ela pode jogar isso fora?! Eu brincaria eternamente com isso”! Pensei que aquele deveria ser o segredo de beleza dela, porque ela era a mulher de verdade mais linda que eu já tinha visto.
 

Eu admirava tudo nela, seus cabelos loiros que na época eu não fazia ideia que fossem tingidos, seus pelos dourados dos braços, das coxas e aos meus olhos ela era uma semideusa do amor ou algo assim. Linda e independente: tudo que eu queria ser também. Eu queria ser daquele jeito da minha vizinha. Percebia que todos os homens a desejavam, e eu achando que seu poder vinha do hidratante de aveia Davene e dos banhos de mel que ela dava nos cabelos.
 

Lembro que certo dia ela me chamou para fazermos uma máscara de mel para passar no rosto e nos cabelos, alegando ser fonte inesgotável de beleza e eu me senti tão honrada, como se tivesse sido convocada para o Miss Brasil. Era a “minha-vizinha-deusa-do-amor” me chamando para um ritual de beleza, algo destinado apenas às mulheres adultas e lá estava eu, quando ela poderia ter chamado qualquer uma de suas amigas.
 




Uns vinte e dois anos depois e eu ainda me lembro daquele momento, da sensação de poder que tal convite me conferiu. Claro que o programa não foi perfeito, porque fizemos ao ar livre e algumas abelhas vieram nos incomodar, ou prestigiar, vai lá saber! Mas, aquela foi de longe a minha primeira experiência como mulher de verdade, inclusive com os percalços da situação, me avisando que ser mulher não é ser perfeita ou viver situações nesse nível.


Por isso, acho muito válida a influência que mulheres mais velhas exercem, sejam elas mães, tias, vizinhas, madrinhas, quase que inconscientemente sobre a vida de meninas que estão entrando na tão misteriosa e obscura adolescência. Se iniciar como mulher não é fácil, se descobrir como mulher menos ainda. Acho que todas já passaram por algo parecido e sabem exatamente do que estou falando.
Lembro também que lia desesperadamente revistas de beleza, dicas de maquiagens, cuidados com os cabelos, pele, unhas, depilação, exercícios... Era tanta informação nova que eu não fazia ideia de como processar tudo aquilo e metade delas eu realmente nem precisava naquela fase da minha vida.  Vivia lendo rótulos e fórmulas e para quê? Nunca fui boa em química! Isso eu também lembro perfeitamente.






O que afinal, uma menina de nove anos dos anos 90 podia entender de ácido glicólico, retinóico ou salicílico? Confesso que às vezes minha cabeça chegava até a doer, mas acho que era mais a pontada de decepção, como se eu não conseguisse fazer nada direito pra ser uma mulher de verdade.
Óbvio que hoje muita coisa mudou o acesso à internet permite qualquer pessoa saber o que quiser sobre qualquer coisa. Nossas crianças de hoje em dia, que em nada se parecem com as dos meus saudosos anos noventa, são naturalmente sofisticadas e entendidas de tudo um pouco.

Contudo, concluindo, posso dizer que minha adolescência nos anos noventa com todas suas descobertas e decepções, foi sem dúvida a melhor época da minha vida e eu não trocaria por nenhum Google. 

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