UM
OLHAR NARRATIVO SOBRE UM POSSÍVEL “PENTAGONO” AMOROSO EM SEDA
Introdução
Para o amor não existe
fronteiras, certo? Pode haver controvérsias. A perspectiva de amor pode ser relativa
e única para cada ser humano. O texto ficcional escolhido para análise foi o
romance SEDA, de Alessandro Baricco (2007), onde foi verificado que muitas
questões em sentido amoroso entre as personagens ficam sem respostas, e nem é a
intenção deste artigo respondê-las. Sendo mais interessante talvez, apenas
pontuar mais uma visão sobre a obra, dentre tantas possíveis de serem elaboradas.
Primeiramente será feito um breve
enredo do romance e após isso, será feita uma abordagem concernente à relação das
personagens, seguido por uma rápida análise narrativa, antes de se colocar a
questão do possível pentágono amoroso, verificado nesta visão da obra referida.
SEDA
– um enredo cativante
Com relação à apresentação
das personagens, apresenta a situação inicial da personagem principal, logo no
primeiro capítulo, fazendo uma síntese de como era sua vida anteriormente, até
o momento em que começa a narrativa. E as apresentações das demais personagens
vão sendo feitas à medida que vão adentrando na história. Hervé Joncour é a
personagem principal, que resolve deixar a vida do exército para vender bicho
da seda e a despeito da rigidez esperada para um militar, Hervé fará diversas
viagens para transportar ovos do bicho-da-seda, comprovando uma extrema
habilidade em demonstrar delicadeza com algo que sequer nasceu.
Essa delicadeza se expande
quando surge a complicação do enredo, que por causa da praga que afetara os
ovos, Hervé viaja até o Japão para adquirir ovos sadios e nesse outro país,
descobre um mundo completamente novo e que o transforma de maneira absoluta.
Hervé é casado com Hélène, mas ainda assim, se apaixona pela mulher do seu
fornecedor Japonês de ovos de bicho-da-seda e daí vem o desenvolvimento, pois
muitas outras viagens se seguem, aparentemente não apenas por motivo de
negócios, mas Hara Kei, seu fornecedor, obviamente não aprovou a ideia de ter
sua mulher ‘cortejada’ e vai reagir, para impedir o romance. Além disso, o
Japão está em guerra (1864), as pessoas estão fugindo, assim como a pretensão
amorosa de Hervé. O negócio de seda está tomado por uma praga na França e tudo
que Hervé pensa e naquela mulher que não tinha o rasgo oriental nos olhos. O
clímax acontece quando ele recebe uma carta, aparentemente dessa moça,
despedindo-se para sempre. Hervé acaba se resignando, após ter conhecido a
natureza violenta de Hara Kei. Então vem o desenlace, quando Hervé descobre que
a carta, na verdade foi escrita por Hélène, contudo, ele mesmo já está
confirmado que não voltará a ver aquela moça outra vez.
Relações entre as personagens de seda
Hervé (principal) e Hélène
(antagonista) pareciam ter uma relação estável, sem muitas alterações, até que
Hervé conhece a moça sem rasgo oriental no olhar e todos seus pensamentos se
voltam para ela.
Depois, podemos analisar a
relação de Hervé com essa moça (antagonista) que tomou-lhe o coração, sem nome
citado, apenas um adjetivo (sem corte oriental no olhar), algo muito sugestivo
e que desperta ainda mais a curiosidade de Hervé. A relação deles é de amor à
primeira vista.
Então, Hervé tem um amigo,
chamado Baldabiou (antagonista), que o incentiva e patrocina em suas viagens,
amizade sólida, talvez por gratidão, já que fora Baldabiou quem o inserira no
mundo do cultivo da seda.
Hervé tem ainda contato com
Hara Kei, (antagonista), Vendedor japonês de Bichos-da-seda e que parece
possuir tudo que o cerca, inclusive a moça que Hervé encontrara docilmente com
a cabeça em seu colo. Ela não tinha nome, mas tinha os olhos mais expressivos
que já vira na vida.
Por fim, Hervé tem contato
com uma personagem secundária, Mme. Blanche, poucos encontros, todos movidos
pela necessidade.
A narrativa em SEDA
Desenrola-se a partir de uma
relação de equilíbrio inicial, onde todos estão felizes com os lucros dado pelo
bicho-da-seda. Daí ocorre a motivação: a praga está assolando os ovos, então é
preciso ir buscar ovos bons, nem que seja do outro lado do mundo, no Japão. A
motivação somente aumenta, quando Hervé se descobre completamente apaixonado,
hipnotizado por aquela moça misteriosa e que lhe fazia tantas promessas somente
com o olhar. No mais, como bom herói, também quer ajudar os amigos, por isso
acha válido e quase honroso atravessar o planeta, somente para ser o mediador
das vendas de ovos. Seu bom coração o induz a sustentar todos os empregados envolvidos
na produção de seda, com o seu projeto de jardim, quando não é mais possível
viverem de seda, por causa da guerra.
Temos então a transformação,
quando Hara Kei, deixa bem claro que não irá permitir nunca esse romance entre
o jovem casal. E a consequência, vem quando um inocente é morto pelas mãos de
Hara Kei, devida a evolução do romance, como um aviso de que não irá tolerar
traição. Diante desses acontecidos, Hervé percebe com perspicácia, que não poderá
mais fazer negócios com Hara Kei, tampouco voltar a pôr os pés no Japão, para
seu próprio bem e para o bem de sua amada.
Uma situação final se dá,
quando um novo equilíbrio acontece, no momento em que ele recebe a carta e se
convence de que aquele amor era mesmo impossível, que era algo para ficar
somente na memória.
O universo Representado em SEDA
Trata-se da materialidade do
espaço, vendo elementos como signos e que os mesmo signos podem ter diversas
significações ao longo da narrativa.
Alguns signos encontrados em
SEDA: Temos o Japão para Hervé, que cada vez que ele ia até lá, enxergava-o de
uma maneira diferente. Temos também os ovos, a princípio significavam apenas
meio de produzir riqueza, depois, chance de Hervé rever sempre o seu amor, o
que lhe dava ânimo de cruzar o mundo. Há também a carta de despedida, que ele acreditara
ser da moça, e depois, descobre não ter passado de uma criação de sua esposa,
perdendo assim, todo o seu significado anterior. Pode-se ainda ser citado o
próprio amor de Hervé pela moça, que depois que Hara Kei matar o criado por
ciúmes do casal, significou para Hervé que Hara Kei falava muito sério e que
iria até as últimas consequências para separá-los, nem que fosse com a morte de
um deles, e assim, Hervé desiste de voltar ao Japão. Há ainda, o anel de Mme. Blanche,
as flores nele representavam uma mulher cara e à disposição, até que depois, as
mesmas flores vistas no túmulo de Hélène, significaram que ambas poderiam ter
tido uma relação íntima, levando-o a desconfiar da idoneidade da carta recebida
por sua amada.
5
– As relações intercaladas em SEDA e algumas considerações
A MOÇA
Podemos iniciar a levantar
algumas questões por aquela moça misteriosa, a qual a existência fez mudar todo
o comportamento de Hervé no enredo. Teriam as convenções sociais do Japão, sido
o suficiente para fazerem-na manter-se constantemente ao lado de Hara Kei, e
não ter assumido uma postura ao lado de Hervé, o qual desde o primeiro
encontro, ela fizera questão de demonstrar seu interesse por ele? Os
acontecimentos decorrentes demonstraram que não era necessariamente amor, o que
a “prendia” a Hara Kei, a menos que no Japão, o conceito de amor que faz duas
pessoas se manter unidas seja diferente.
Mas, em todo caso, ela não
era japonesa, mas, algo a fazia realmente manter-se ao lado de um homem, que
mais parecia meter-lhe medo, exercendo uma função que mais parecia decorativa do
que qualquer outra coisa. Talvez uma dívida antiga. (Afinal, Hara kei era uma
espécie de provedor de todos à sua volta).
Quando ela, sem qualquer decoro,
na primeira vez que vira Hervé, toma o seu lado da xícara, num beijo simbólico
e aterrador para o mesmo, certamente já conhecia temperamento de Hara Kei. Ela
deveria desconfiar que Hara Kei, como soberano de tudo que seus olhos
alcançassem, assim como todos os seus outros pertences, jamais a permitiria
sair de seu poder. Contudo, a postura que assumira fora de quem não estava
preocupada, ou pelo menos a de quem estava mesmo disposta a desafiar seu
provedor, pois não pareceu preocupada com sua reação.
Sem que a história daquele
estranho casal fosse revelada anteriormente, é possível que aquela moça,
pudesse vir guardando algum ressentimento contra o marido e quisesse afrontá-lo.
Não se sabe desde quando vivia sob sua proteção e por quê. Ter tomado a atitude
de dar sua serva para Hervé, para que representasse ela mesma, pareceu um
simbolismo de que ela apesar de desejar outra vida, jamais poderia tê-la,
enquanto Hara Kei vivesse. E esse, entre tantos outros atos da moça em favor de
Hervé, não a colocava como uma companheira infiel?
HERVÉ
Talvez se Hervé não tivesse
encontrado oposição da parte de Hara Kei, houvesse abandonado a Hélène para
ficar com a moça. Afinal, depois que a conhecera, ele fazia questão de
enfrentar quaisquer perigos para estar no Japão todos os anos. Sua condescendência
aos atos da moça o tornava no fundo desonesto com Hélène, que passava mais da
metade do ano, sozinha, em casa, esperando o seu retorno daquela terra
desconhecida. A construção daquele parque, projeto que esmerara por anos a fio,
não parecia outra coisa, senão uma prova de amor, àquela mulher que
provavelmente, jamais poderia ver seus feitos por ela. Dedicara todas suas
energias num projeto de um viveiro, tal qual o de Hara Kei, e tanta atenção ele
dera a isso que Hélène chegou a perguntar o que era e ele explicou-lhe que um
viveiro servia para encher de pássaros e soltá-los “um dia em que lhe acontece alguma coisa boa” (cap39)... “louca prova de amor” (cap.23).
HÉLÈNE
Sempre demonstrou, durante todo o enredo, amar
o seu, marido, fazendo de tudo para manter a relação bastante saudável entre os
dois, muitas vezes, como descobrimos ao decorrer do enredo, tendo “passado por
alto”, o comportamento alterado do marido desde que fora àquele país de todo
desconhecido para ela. Preferiu assumir a postura de nunca tomar-lhe satisfação
de nada, mesmo percebendo que o perdia cada vez um pouco mais, preferindo ao
invés disso, promover a paz entre ambos, viagens que nada mais eram do que uma
fuga da realidade já modificada entre o casal e aceitar todas as vezes que ele
a deixava sozinha, para viver um sonho oriental.
Naquelas épocas de solidão, o
grande “apoio” do amigo Baldabiou, fora fundamental, e até, pudera ter exercido
grande influência em toda essa resignação de Hélène. Fato ainda mais estranho
entre a relação desses, quando o mesmo Baldabiou, vai decide ir embora da
França, e no momento da despedida, Hélène não resiste a se jogar em seus
braços, num gesto quase desesperado, de uma mulher que sabe estar perdendo para
sempre, alguém muito especial. Fora somente um gesto de retribuição por todos
os meses que Baldabiou lhe fazia companhia, durante anos a fio, enquanto Hervé
tratava de seguir seu sonho impossível em terras tão longínquas, ou Baldabiou,
de fato, pela ausência de Hervé e grande período de solidão de Hélène,
tornara-se mesmo alguém que poderia representar na vida dela, “um amor para
recordar”, já que partia de uma vez para sempre.
O romance não faz nenhum
tipo de comentário a respeito da atitude de Hélène na despedida com Baldabiou,
talvez querendo mesmo deixar em aberto, questionamentos e considerações por
parte do leito, referente à cena. E isso, nós leitores fazemos com prazer e
afinco. Como por exemplo; diante de tudo isso, mesmo que Hervé tivesse sentido
qualquer tipo de incomodo diante da cena, (Hélène
nunca chorava – pag. 63) Era
provável que Hervé não se sentisse no direito de reclamar algo a respeito,
diante do seu “segredo” mantido no Japão e que não tencionava fazê-lo de
conhecimento de sua esposa.
Isso pode nos remeter à
lembrança de “Bentinho” personagem Machadiano, que jamais poderia ter a certeza
se fora ou não traído pelo melhor amigo com sua esposa, embora paradoxalmente,
Hervé não pareça estar atormentado por essa descoberta, já que se a certeza lhe
faltava em relação a tal fato, de sua parte, as certezas sobravam em relação ao
que lhe acontecia entre ele e a moça sem rasgo oriental no olhar.
BALDABIOU
Baldabiou é apresentado no
enredo como homem misterioso e pouco dado a assuntos sérios. Dada essa sua
natureza, não seria de se espantar, caso ele tivesse mesmo ficado com Hélène,
durante todo o tempo que Hervé ficara fora. Discreto como era e amigo, jamais
daria esse tipo de preocupação ao amigo Hervé que já tinha muito como o que
ocupar os pensamentos. Talvez, por isso o gesto da despedida tenha causado
algum impacto em Hervé, que soubera manter a compostura e o silêncio, nunca
tendo inquirido Hélène de forma alguma sobre o assunto, devolvendo assim a
maneira gentil como ela sempre lhe tratara quanto aos seus segredos, desde que
pisara em terras Orientais. Mas ele parecia saber, bem no fundo de si, que uma
mulher que nunca chorara por coisa alguma, não acharia tamanho valor numa mera
despedida de um amigo.
Mas supondo que Baldabiou
assumira mesmo o posto de amante de Hélène, talvez o tenha feito, tomado por um
sentimento camaradagem, que Hervé deveria aceitar com bom gosto, já que depois
de suas experiências no Japão, tinha que esforçar-se para manter o interesse na
esposa, uma vez que o seu coração agora estava tomado por aqueles olhos sem
rasgo oriental.
No fundo, Hervé era grato à
Hélène, por jamais tê-lo questionado sobre sua mudança comportamental, mesmo
quando percebera estar perdendo um pouco mais o marido, em todas as viagens que
ele fazia ao Japão.
Interessante é notar que Hélène, somente toma
a iniciativa de escrever a carta, depois que Hervé confessa a Baldabiou, que
havia de fato, “havia uma mulher no Japão”. De outra forma, senão por
Baldabiou, como Helénè tomaria a certeza de suas desconfianças? Mesmo que tal
suposição da intervenção de Baldabiou nesse respeito não houvesse se dado, isso
não diminuiria a força dos questionamentos entre os dois. E no ínterim,
Baldabiou sabia de Mme. Blanche, pois a indicara para traduzir o bilhete dado
pela moça a Hervé, quando este dissera que precisava de alguém que soubesse ler
japonês.
E se antes disso, Mme Blache
e Hélène, por algum motivo, já eram amigas, Hervé jamais poderia supor tal
possibilidade. Coisa até muito possível, já que Mme. Blanche possuía uma loja
de tecido sob o bordel e ambos eram seus. E, portanto, havia muito de Hélène
que Hervé desconhecia e que ela levaria tais segredos seus consigo no dia de
sua morte.
E Baldabiou ao partir, mostrara
ser mais fiel à sua própria palavra, do que às suas relações com as pessoas, deixando
talvez margem para se imaginar que mesmo que tenha tido um caso com Hélène,
jamais havia lhe prometido coisa alguma. Se fora algo ocasional ou se cumprir
uma promessa a si mesmo fosse algo mais importante, isso jamais saberemos.
6 Considerações finais
Os vários momentos ambíguos
encontrados no enredo, não obscurecem o aspecto afirmativo do romance,
concedendo até mesmo uma nova releitura da obra, abrindo um grande leque de
oportunidades, para que o próprio leitor possa ir redescobrindo uma nova maneira
de enxergar as entrelinhas do texto e possa criar um novo, sem se desprender
totalmente do original. Sendo a obra não detentora de uma certeza definitiva,
como qualquer outra obra ficcional, se torna um campo aberto para debates e
suposições e reconstrução de novas visões.
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